Friday, April 16, 2004
Mundos distantes: um sábado qualquer.
Clara entrou em casa e largou-se no sofá. A cara enfiada numa almofada, não queria luz do dia, não queria ver nada, queria entregar-se ao filme de sua memória, lembrar-se dos detalhes mais simples de tudo, do gosto de um beijo, das cócegas que sentiu quando aquela mão pousou em sua cintura, e por fim de tudo que acontecera em sua vida até ali, porque Clara, naquele momento, acreditava que tudo, todo erro, todo acerto, toda mudança, toda dor achava sua razão e sua explicação ali, naquela doce manhã de sábado, aquela calma manhã, aquele dia azul, e aquele pássaro pescando no mar em frente a sua casa. Quis controlar-se, mas o peito embargado de sentimentos sem nome, de sensações esquisitas, o frio na barriga, indicavam uma situação que ela conhecia muito bem. Era algo como "o que a planta deve sentir quando abotoa a primeira flor" (Machado de Assis). Colocou uma música. Marisa Monte. Não, Marisa Monte, não. Yo Yo Ma, aquele CD dos tangos. Tango faz muito sentido nessas ocasiões. E o dia passou por ela enquanto uma raíz de esperança, apesar de todo tango, tentava se fincar no solo ressecado de seu coração.
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