Wednesday, December 31, 2003

Hic et Nunc

Quero terminar esse ano sintonizada no barulho das ondas mar, no cheiro de terra molhada de chuva, numa manhã de inverno, no piloto anunciando pelo rádio que chegamos ao nosso destino (seja lá qual o destino que escolhemos - mas, sim, chegamos! - corre lá pra fora e vai buscar o que te espera).
Quero terminar o ano logo, chega, basta, quero o novo, e que o passado passe rápido saia do caminho pra que o novo venha e tomara que a gente erre uns cheques por aí pra rir e lembrar do que passou. Quero o novo agora, porque o agora é que é importante. Hoje é nosso. Amanhã pertence só a ele mesmo, aposto que Deus decide tudo na última hora, como todo bom brasileiro.
E chega de prometer bobagens de fim de ano, de jurar fazer dieta, entrar na academia e coisas do gênero. Faço um pacto com o prazer. Prazer simples com todos os verbos de ligação: serespaperconfi do agora. E, pelo caleidoscópio do desconhecido, contemplo o caos com sede e fome de instante, de hic et nunc. Quero que ele me envolva como o mar. Contagem regressiva pro agora e sempre:
10, Barulho das ondas do mar;
9, cheiro de chuva numa manhã de inverno;
8, "aqui é o comandante, sejam bem-vindos ao seu destino!"
7, quadrados de sol tatuados no chão da sala de manhã;
6, serespaperconfi;
5, hic et nunc;
4, pé direito, calcinha nova;
3, prazer;
2, caleidoscópio,
1, Deus.

Wednesday, December 17, 2003

Penelopéia

Penélope espera, há milhares de anos, lá às margens da Odisséia que Homero impôs a Ulisses. Passa os dias tricotando e as noites desfazendo o xale, tudo isto para evitar ter que se casar de novo (ela deve ter medo de que algum oráculo tire dela outro marido, um só já está mais do que bom). E assim, fazendo e desfazendo seus dias, ela engana o tempo, perde a noção das horas, da espera. Tanto que, "de repente", 20 anos depois, Ulisses resolve voltar - posso até ver Penélope de braços cruzados batendo o pezinho na areia da orla de Ítaca, torcendo o nariz e, desconfiada, pede pra ele provar que é ele mesmo. Sabia que era seu marido e que aquele era o momento pelo qual havia tricotado e destricotado 20 anos mas, peraí, acha que é fácil, que é só ir dizendo que é Ulisses e ir levando uma esposa fiel e uma ilha grega assim de bandeja?

Tá aqui teu arco, vamos, atire uma flecha. Prove que é você.

Ele sequer discute. Só ele conseguia dobrar seu arco. Só ela conseguia dobrar Ulisses. Pega o arco, atira uma flecha (aliás várias e mata todos os pretendentes com a ajuda do filho Telêmaco e da Deusa Atena).

Sou eu.

Não importava o cansaço, os anos que passaram, ele tinha que dar prova de estar a altura do passado e da espera e de Penélope.

Tanta coisa aconteceu na sua ausência.

Imagino agora Ulisses revolvendo os olhos enquanto images de cíclopes, deusas ciumentas, deuses furiosos, naufrágios e a guerra de Tróia inteira passam por sua cabeça. Irônico, mas, quem volta tem que se preparar pra aventura do reencontro. Há perigos demais na ausência também. E aventura do lado de fora, do desconhecido, pode ser equivalente a aventura de dentro, de quem espera. Porque o equilíbrio da história toda está em Penélope, que teve o destino selado pelo dever de Ulisses de ir à Guerra. Ele tinha que ir, portanto ela tinha que esperar.

Por fim, arrepende-se aquele que não empreende, não tenta, seja uma Odisséia, ou seja tricô. E haja novelo...

Thursday, December 04, 2003

"... in the winter, when it drizzles..."

- Or "Things I learned in France" -

It was cold and rainy and if we had scientific information on the pluviometric conditions, I bet Paris would have been the rainiest city in all Europe during those 5 days. But I did not notice the rain and the cold until Sunday, the last day, the day we always fear and want to avoid. But there's no avoiding, you wake up and the first thing to cross your mind is "it's the last day". It's the day you take pictures like crazy, in desperation of keeping memories clearer and not forgetting any detail. The Métro station, the street of the hotel, the street signs - even the street signs are so much more charming....

Breathtaking. Gray days don't interfere with the colors and nuances of the City of Light. In fact, they bring out the true pale yellowish tone on the old buildings, the light green on the copper statues becomes shinier and the excessive white, cloudy white, offers more contrast against all the other colors.

There's something about the wind blowing hats and shaking the fringy end of the colorful scarves, people in long coats, gloves, hats... and after all the cold provides a constant excuse to drink wine - to warm up, to warm up!

It's so easy getting lost in that city, going around the block the wrong way, jumping out of the train on the wrong station, because nothing looks wrong, no métro station seems to be too far away, and right around the corner, au coin de la rue, there's a view to l'Opera, La Tour Eiffel, a crepérie, a café or an enticing soap shop.

At night, from a high floor in a high tower, the most beautiful view of the city - enhanced by early Christmas lights, on top of all the lights and cars and streets, looking like shiny blood vessels. There was I, sitting right in between the Eiffel Tower and Les Invalides, above Paris. It all happened so fast... I took another sip of my 'chocolate chaud', grateful for being there, for being able to enjoy every second, every color, every taste, every smell.

But in a blink, it was already Sunday and it looked much colder and rainier. Not even sweater # 4 together with coat # 2 and scarf # 1 could keep me warm. Beauty has the strange effect of bringing out sadness too. And that's when I found out the worst thing about Paris: saying good-bye. But french people know better and that's why in France they say...

'Au revoir' -- I thought. Yeah, 'til we see each other again.

N. da E.: queridos leitores, esse post vai em inglês devido a visitas internacionais que estamos aguardando. (No melhor estilo "build a field and they will come"!)

Wednesday, December 03, 2003

Infinito Despertar

No meu reino o Sol estaria sempre nascendo naquela janela enorme, sobre o mar, à direita da nossa cama. Quem sabe, fossem precisos mais sóis, não somente um, para manter a constante nascente vermelha, rosada, alaranjada e depois dourada e quente. Então, os meus sóis passeariam no céu, livres, pondo-se lá trás, do lado onde não há janelas, e nós não nos importaríamos, porque de frente pra nós era um dia infinito, brilhante, de águas calmas, cheiro de domingo, e a penugem loira do teu cangote emoldurando minha vista, reluzindo os meus sóis, fazendo cócegas no meu nariz. No meu reino só existiria um dia, apenas aquele amanhecer constante, doze sóis, a nossa cama, a nossa janela, o teu cangote, a água calma, o horizonte. E se o cansaço batesse e quiséssemos dormir, asas aveludadas de pássaros gigantes tomariam o céu e esconderiam os sóis com rasantes sobre o mar. E, à meia luz, sonharíamos juntos com cidades novas, outras línguas, horizontes mais distantes do que aquele à nossa janela. E no reino dos sóis nascentes, nós acordaríamos eternamente, nossas sombras projetadas, superpostas, escorrendo pelo chão, esticando-se pelas paredes, teu corpo e meu corpo tatuados naquele quarto, o único quarto do único dia. Lá no meu reino do despertar infinito.