O Michael Moore escolheu muito bem os casos reais e as pessoas que apareceram como testemunhas no seu ultimo filme Sicko. Queria que ele tivesse vindo aqui em Genova, e quem sabe gravado a minha manha na espera do hospital. Claro, eu só perdi 2 horas, primeiro esperando numa fila com 50 pessoas na frente. Quando estava pra chegar o meu numero, uma senhora do hospital apareceu perguntando quem não tinha pagado ainda o "ticket" - que seria como um valor simbólico pra você ser atendido ou fazer exames (simbólico pero no mucho, vai de 12 a 30 euros...). Eu aproveitei a deixa da senhora e como não tinha pagado ainda (nunca pagar antes de saber o que você tem que fazer) e resolvi pedir informação sobre o que eu tinha que fazer. Obviamente, toda a meia hora que eu tinha esperado tinha sido jogada no lixo, porque logo essa mulher foi me falando que eu tinha que ir direto na ginecologia que e' no segundo andar - elevador da direita - e esperar la. Ok, o elevador da direita não estava querendo colaborar, pra não perder mais outros minutos preciosos, eu subi de escada. Do primeiro andar pra cima, tinham sinais que diziam "psiquiatria, 6 andar sempre por essa escadaria" (prestem atenção pois isso sera importante mais pra frente da historia).
Segundo andar, um monte de mulheres gravidas se abanando (toda gravida se abana e quase sempre e' com a ecografia ou outros exames do filho que vai nascer). Estou no lugar certo? Não sei. Não tem ninguém pra pedir informação. As gravidas barrigudas são simpáticas e me dizem que estão na fila pra saber o que fazer. Otimo, pergunto quem e' a ultima e me posiciono. Quando chega a minha vez e' obviamente a enfermeira mais antipática que vem me atender. E obviamente de novo os 10 minutos que esperei ali foram jogados no lixo pois ela me diz que devo esperar na porta ao lado. Sei, sei, vocês estão se perguntando "mas esperar por que e por quem?" e estão pensando que eu conto historias muito mal porque estou deixando o leitor a cada frase mais confuso. Não, minha gente, eu posso ate não ser a melhor contadora de historias do mundo, mas eu estou tentando fazer o relato o mais realisticamente possível e era assim mesmo que o povo me dizia, olhava o pedido do medico que eu tinha em mãos e me mandava pra outro andar, pra outra porta, sem me dizer mais nada. E quando eu pegava folego pra perguntar alguma coisa a pessoa ou tinha sumido com um passe de magica ou ja estava falando com uma outra pessoa gravida.
Abro um parenteses pra dizer que acho que no ano de 2008 a taxa de crescimento vegetativo italiana vai quadruplicar pelo que vejo. E' uma superlotação de gravidas no hospital. Mas enfim, de alguma maneira, os italianos conseguem sempre morrer mais que nascer. E' um fenômeno de interessantes desdobramentos sócio-culturais e filosóficos.
Voltando aos fatos, agora estou de frente a uma portinha cheia de avisos de coisas que eu não consigo entender. Quero deixar claro pros leitores que eu sei falar italiano perfeitamente bem. Que tem gente que não acredita que eu não sou italiana e que o meu léxico e' fantástico. Ok, descartando um possível problema de idioma e percebendo que eu não sou tao burra assim, vai, eu ate sou "meia" inteligente, e' tudo feito pra não ser entendido mesmo. Pra fazer as gravidas ficarem fazendo filas longas calorentas e as pessoas normais (sim, gravida e' anormal) perderem o dobro, senão o triplo, do tempo que se poderia gastar pra tirar 3, 4 tubinhos de sangue, meter uma etiquetinha e dizer "volta na semana que vem pra pegar o resultado, obrigado, ate logo".
Acontece que nessa segunda portinha dizia também pra não bater, pra esperar. Mas, vocês vão concordar comigo que depois desse périplo eu não ia ficar la pagando pau pra fila de novo e já estava começando a perder a paciência. O que eu fiz? Eu bati, toc-toc-toc. E saiu uma enfermeira com olhar de reprovação. Aqui, missão cumprida, nem 1 minuto de espera. Não fosse pela menina antipática da porta do lado que saiu na mesma hora pra me dizer "Senhora, e' pra esperar ate' a porta abrir, não pode bater, você não viu o aviso?!" Nessa hora, cara de estrangeira funciona sempre. Essa segunda enfermeira se revelou muito simpática e imaginei que ela também não gostava daquela primeira que se achava que veio me dar bronca no corredor e tal, portanto aconteceu aquela identificação imediata entre eu e a enfermeira gordita (porque sera?). Ok. Gente agora vem a parte mais engraçada. A gordita olha os pedidos do medico e me diz, não não, você tem que esperar aqui do lado mesmo, ou seja, da onde eu tinha acabado de sair. Ah, gente, eu ri. Eu ri de verdade. Eu dei uma risada pra tentar descontrair o ambiente, o pessoal vestido de branco, as gravidas barrigudas calorentas. Alguns riram comigo, porque se tem uma coisa que não existe na Itália, na Itália inteirinha, em todo o pais, não e' uma hipérbole, e' a tal da privacidade. Alias, não existe uma palavra em italiano pra privacidade. Não estou estou brincando, aqui, quando alguem quer ilustrar o conceito (obtendo inevitavelmente um exito ruim) se usa "privacy" em inglês. Mas ninguém sabe o que e'. E por isso eu estava discutindo no meio do corredor a meia hora com enfermeiras e senhorinhas que cazzo eu tinha que fazer pra conseguir alguem com um garrote, uma seringa e 3 ou 4 tubinhos pra tirar meu sangue?
Outro parenteses, eu odeio tirar sangue. Gente se tem uma coisa na vida que me da arrepios e me faz sentir mal dias antes e' o exame do sangue. E eu tinha me preparado psicologicamente pra faze-lo hoje. Mas estava começando a entrever um desfecho negativo pra mim.
A gordita, depois que viramos melhores amigas, disse que ia me ajudar, entrou na sua portinha imaculada na qual não se pode bater e me disse pra esperar fora. Ai quanto mistério... Voltou com uns formulários já preenchidos e me disse - ufa, juro por deus que essa foi a primeira vez que alguem me disse alguma coisa esta manhã , quer dizer, que alguma informação foi passada pra mim sobre os exames que deveria fazer e como e quando. Mas a desfortuna era que eu deveria voltar pra fila do lado, a porta da antipaticona, pra marcar os exames porque, afinal de contas, vejam vocês, já era tarde demais pra fazer coleta de sangue. Eu não quis entrar no mérito que eu já estava ali indo de fila em fila fazia quase 2 horas. Achei melhor não jogar a culpa na minha única aliada do hospital, não queria disturbar-la com essas pequenezas.
Bom, volto pra fila 1, espero 5 minutinhos, e entro de novo na sala. No fundo tem uma outra enfermeira muito mais antipática que a primeira, (me sinto ate' um pouco mais sortuda nesse momento) falando com uma paciente no telefone sobre exames, resultados, com riqueza de detalhes e nomes - o que numa cidade pequena como Genova, e' fácil que vire boato logo, tipo Fulaninha Parodi Bruzzone Sanguinetti esta com uma doença venérea hahaha. Mas dai como vocês aprenderam hoje, na Itália não existe palavra pra privacidade.... E finalmente a minha enfermeira menos antipática resolve dar uma olhada no calendário. Marca um exame pra amanha, mas atenção amanha tenho que passar primeiro embaixo e pagar o ticket e depois subir pra tirar o sanguinho, e o outro exame esta marcado pro dia 13 de junho, sim, daqui a um mês.
Se eu tiver tempo juro que vou traduzir e mandar pro Michael Moore. Olha ai a saúde pública do 2o colocado no mundo nesse quesito. Primeiro a Franca, depois a Itália. Mas eu não paguei nada hoje, quer dizer não tirei nada do bolso e não consegui fazer nada, mas perdi horas de trabalho, que valiam dinheiro, ou seja, desvantagem total pra mim. E amanha tenho que pagar. E quando voltar pro exame do 13 de junho vou ter que pagar também. Espero só que eu consiga ouvir o resto da historia da fulaninha com DST que tinha que refazer o exame. E sinceramente, se tivessem me contado essa historia antes e eu tivesse tido a opção de pagar caro e resolver o assunto, ou esperar e pagar menos, col cazzo que eu ficar brincando de dança das portas a manha toda em jejum.
Ah, na volta, quando estava saindo, avaliei seriamente a possibilidade de subir outros 3 andares e dar uma passadinha na psiquiatria. Mas dai, eu realmente tinha que ir embora e se eu chegasse la' naquele estado psicológico agravado, provavelmente me internavam. A única vantagem e' que internado não tem que pagar a merda do ticket.
Monday, May 12, 2008
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