Tuesday, September 30, 2003

O problema da "volta e volta" é que toda volta pressupõe uma ida. Logo "volta e volta" tem "ida e ida". E eu continuo indo, mas com vontade de voltar. Faz sentido? Não. Ainda bem. É bom sinal. Sentido não ajuda em nada, aliás atrapalha. Melhor amortecê-lo e retomar o caminho aberto na navalha dos sem-sentidos da vida. Não é sentido, é direção que se quer. É uma bússola-oráculo acoplada a um pára-quedas e um relógio despertador (todos auto-ajustáveis) pra gente navegar com toda precisão poética. Afinal de contas, o que mais é preciso na vida? Nada. No entanto, se me fosse permitida uma extravagância, uma única, queria um gato.

Wednesday, September 24, 2003

Felicidade tarja-preta

Uma senhora com olhar triste diz que não tem vontade de fazer nada. Um rapaz de trinta anos com as mãos na cabeça confessa que não consegue se concentrar em nada. Uma mocinha em preto e branco chorosa relata "eu já fui feliz, eu lembro que um dia já pude sentir isso".
Em seguida, a câmera corta para a senhora brincando com seus netos, o rapaz correndo na praia acompanhado de seu golden retriever e a mocinha abraçando seu namorado. E o narrador em off, depois de anunciar o composto ativo e pedir para os espectadores comentarem sobre o remédio com seus médicos, adverte efeitos colaterais: vômitos, diarréias, dores de cabeça, sonolência, perda do desejo sexual. Mas, de maneira muito segura, o rapaz olha pra câmera e afirma "Eu posso ser feliz novamente!".

Desculpem-me, mas sou só eu que não consigo enxergar felicidade e diarréia no mesmo dia? (Pra não mencionar a perda do desejo sexual...)

Minha teoria é a seguinte, as pessoas em geral são divididas em dois grandes grupos quando se trata de felicidade: os que acham que a felicidade está no passado (ou melhor, esteve) e os que acham que a felicidade está no futuro. A turma do "éramos felizes e não sabíamos" precisa de remédio mesmo. Porque um dia eles já foram do segundo grupo mas daí, desistiram. O "amanhã será um novo dia" comprende o pessoal que ainda está tentando. No entanto, esse grupo se subdivide em dois outros, pois muitos integrantes desse grupo eram do primeiro e já estão medicados.

E o outro sub-grupo dos que não estão na tarja preta? São a faixa do contraste. Sim, aquela opção entre os controles de Brilho e Cor de qualquer monitor de computador ou televisão. Ninguém sabe direito pra que serve, mas o fato de ele ficar no meio já diz muito: é pra equilibrar. Nem muito, nem pouco. Nem só brilho, nem só cor.

É o seguinte, depois do remédio, a vida é toda de um só tom. Tudo lindo. Tudo bem. Você pisa em cocô de cachorro, você bate o carro, você perde o emprego e você pede uma pizza, tudo no mesmo tom.

O pessoal do contraste fica puto, triste pra caramba, chora e depois sai pra tomar cerveja com os amigos e rir das agruras da vida. Se apaixona loucamente, perde o chão, as estribeiras e se tomam um pé na bunda, tristes, frustrados, com dor-de-cotovelo, dizem "ah, eu arranjo outro(a)". Felicidade só existe com tristeza. Uma é o contraste da outra. E, como para Parmênides, que agrupou tudo no mundo em pares de opostos, elas são inalienáveis: uma só é quando a outra deixa de ser. Para sabê-las é preciso, não só conhecê-las, mas, ter as duas.

Às vezes é mais fácil entender alguma coisa pelo seu oposto. E sempre acreditar que há oposto.

Monday, September 22, 2003

Big Mother - reality cam

9:21:32 - Mâmi Panda sai da toca. Baby fica lá se remexendo no chão, parece um pãozinho frânces com perninhas e bracinhos pretos.
9:45:15 - Mâmi volta, hora da mamada. Depois um banho de lambidas. Capaz de despertar "guti-cutis" até nos mais durões.
10:47:54 - Mâmi saí de novo e o Baby Panda dá seus primeiros passos meio desengonçados.
10:56:23 - Mâmi volta, pega ele com a boca e põe ele pertinho da saída da toca pra ele tomar sol!!!

Estou viciada.

Confira e depois me diga senão é tudo nessa vida...

Agora, se eu fosse você não perderia o susto que a veterinária toma ao examinar o pandinha.

Tuesday, September 09, 2003

Volta e volta

-- Quero uma passagem por favor.

-- Ida e volta?

-- Não, não. Volta e volta.

Deixa eu explicar: eu volto pro Brasil daqui de Miami, mas como agora eu moro em Miami, depois eu volto pra Miami outra vez.

Difícil entender que agora é uma "ida" ao Brasil. E a gente que acha que vai esquecer logo de tudo com as maravilhas de consumo do Tio Sam, se engana e paga a língua. Não há M&M de peanut butter suficiente nesse país inteiro que me faça sentir em casa. Tenho um quarto e um banheiro. Acampamento de verão. Fico achando que dia desses as férias vão acabar e meus pais vão estar me esperando do lado de fora do carro na porta dos alojamentos.

(digressão metafísica: Mas será que um dia desses mesmo, quando as férias acabarem, as férias aqui da minha alma neste planeta, não vai ser assim que eu vou chegar lá do outro lado? O pai e a mãe acenando e eu correndo pra abraçá-los...esse é o céu que eu imagino. Difícil deve ser passar pela vida, ou pelas férias, achando que nada tem volta. Ou que tudo acaba e pronto: final.)

A gente sempre volta. E eu sempre voltando pra lá e pra cá, cada vez num lugar diferente. Tanto faz o lugar, o importante é só voltar de peito aberto, beijo, abraço. E quando a gente ama está sempre voltando. Pode ser que a gente não volte fisicamente, mas o lugar volta pra gente e quem a gente ama, também.

Tuesday, September 02, 2003

... tem que ter letra de música!

Disseram que eu voltei americanizada
Com o "burro" do dinheiro
Que estou muito rica,
Que não suporto mais o breque do pandeiro
E fico arrepiada ouvindo uma cuíca.
Disseram que com as mãos estou preocupada
E corre por aí -- que eu sei -- um certo zum-zum
Que já não tenho molho, ritmo, nem nada
E dos balangandans, já não existe mais nenhum.
Mas prá cima de mim, prá que tanto veneno
Eu posso lá voltar americanizada
Eu que nasci com o samba, e vivo no terreiro
Tocando a noite inteira, a velha batucada.
Nas rodas de malandros, minhas preferidas
Eu digo mesmo que te amo, e nunca "I love you"
Enquanto houver Brasil,
Nas horas das comidas
Eu sou do camarão ensopadinho com "xuxu."